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8 de março: segregação ocupacional por gênero e o papel dos atores educacionais
Carolina Muñoz Rojas, professora da Universidade do Chile e consultora do IIPE UNESCO, fala sobre as desigualdades que persistem na educação terciária
Menina em sala de aula

© UNICEF/ECU/2016/Arcos

Há 25 anos, 189 países assinavam a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, consideradas ainda hoje as diretrizes mais progressistas para o empoderamento de mulheres e meninas. O documento comemorava a conquista da igualdade de acesso à educação primária em quase todo o mundo e um aumento considerável no número de mulheres na educação terciária, e ao mesmo tempo apontava a persistência da discriminação no acesso devido a “atitudes enraizadas, à gravidez e casamento na adolescência, à inadequação do material educacional e educacional e seus preconceitos de gênero, ao assédio sexual e à falta de instalações de ensino apropriadas e acessíveis no sentido físico e em outros sentidos".

Este ano, em sua declaração pelo Dia Internacional da Mulher, a diretora executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, lembra que ainda hoje nenhum país do mundo pode afirmar ter conquistado a igualdade de gênero. Mulheres e meninas continuam subvalorizadas, sofrem violência em suas casas, instituições de ensino e outros espaços públicos, trabalham mais e ganham menos e têm menos opções. Além disso, elas continuam usando o triplo do tempo e da energia que homens e meninos em tarefas domésticas, o que torna impossível a igualdade de oportunidades na educação e no mercado de trabalho.

Assim como a Declaração de Pequim, Mlambo-Ngcuka reconhece avanços no acesso das mulheres à educação, e o fato de que hoje são maioria no nível terciário. O mesmo fazem os países latino-americanos em seus documentos de planejamento, onde enfatizam que, nos níveis inicial, primário e secundário, em geral, não há diferenças de sexo no acesso, apontando nos últimos anos um importante aumento da matrícula de mulheres no nível superior.

No entanto, ao analisar em profundidade a educação terciária ou superior, mesmo esses números positivos em relação ao acesso ocultam núcleos problemáticos da realidade educacional de homens e mulheres, baseados em papéis e estereótipos de gênero. A oferta educacional do nível reforça a segmentação de gênero por se basear na divisão sexual do trabalho, e faz com que as mulheres continuem sendo maioria em carreiras consideradas femininas e minoria em carreiras consideradas masculinas. Além disso, carreiras masculinizadas reservam uma série de novos obstáculos para as mulheres que se arriscam a ultrapassar essa primeira barreira.

Para a professora da Universidade do Chile e consultora do IIPE UNESCO, Carolina Muñoz Rojas, transformar essa realidade requer não apenas mudanças legislativas, mas também ações afirmativas, políticas públicas como a transverslização de gênero e, "sobretudo, gerar pesquisas e estatísticas com um nível de desagregação que possa refletir a dimensão interseccional da desigualdade".

Em entrevista, Muñoz fala sobre alguns dos tópicos que está desenvolvendo no novo documento de Estado da Arte sobre gênero e educação e formação técnica e profissional para a área de pesquisa do IIPE UNESCO, a ser publicada durante o mês de abril.

Que fatores afetam a escolha profissional das pessoas? Por que ainda existe uma ordem desigual de gênero dentro dos cursos técnicos e universitários?

Do ponto de vista crítico e de gênero, essas escolhas não são totalmente livres, pois existe um forte condicionamento cultural na escolha de uma ou outra formação, ofício ou profissão. Até mesmo dentro de um âmbito educativo mais básico, primário e secundário, os interesses das pessoas estão inclinados para uma área ou outra. Os estudos de gênero vem enfatizando a importância dos processos educacionais, da socialização de gênero, seja formal, nos sistemas educacionais ou informais, na família ou nas comunidades.

A divisão sexual do trabalho hierarquiza e estrutura a desigualdade de gênero, define atividades produtivas e reprodutivas, umas ligadas mais aos homens, outras, às mulheres - com valorizações econômicas, sociais e culturais também diferentes - e essas diferentes atividades têm seus correlatos em diferentes áreas do conhecimento, em diferentes profissões ou ofícios. Assim, como produto da socialização, mulheres e homens obviamente escolhem estudar na educação superior ou terciária cursos com os quais sentem afinidade; e isso é fortemente condicionado pelos papéis de gênero.

Qual o papel dos atores educacionais na manutenção ou transformação dessa realidade?

O papel dos atores educacionais é muito importante para reproduzir uma ordem desigual de gênero, uma ordem tradicional. Mas também pode ser muito significativo para transformá-lo. Eu gosto muito de fazer essa distinção. Atores educacionais formais e informais (porque a família é um ator educacional na esfera informal) reforçarão os papéis, o que se faz tradicionalmente, mas eles também têm um papel importante para poder questioná-los, desconstruí-los e gerar um processo, não apenas de escolha de carreira, mas de formação, que está mais focado nas pessoas, no desenvolvimento de seus talentos e na livre escolha e desenvolvimento de uma atividade profissional. Professores e professoras têm um papel fundamental para visibilizar os preconceitos de gênero e promover a educação não sexista.

É possível reconhecer avanços no acesso das mulheres a todos os níveis educacionais. Mas que desafios específicos elas enfrentam quando entram no nível terciário?

Dados da América Latina indicam que a maior taxa de participação das mulheres está na educação superior. Mas ali a segregação ocupacional volta a se manifestar. Também existem mulheres que entram em áreas tradicionalmente masculinas; isto é, que quebram essa barreira. Mas, dentro dessas áreas, a divisão sexual do trabalho é reproduzida novamente e elas assumem novamente tarefas em suas carreiras que reproduzem a divisão sexual do trabalho.

Embora a educação técnica e profissional na América Latina seja uma área que sempre contou com a participação de homens e mulheres, ela está conformada por ofícios, que são altamente segregados. Vários estudos realizados pela CEPAL investigaram as trajetórias de mulheres em carreiras tradicionalmente masculinas. Essas mulheres enfrentam um ambiente desigual e muito hostil. Por exemplo, mulheres que estudam carreiras técnicas relacionadas à eletricidade acabam se dedicando mais a atividades administrativas do que ao trabalho nas próprias instalações elétricas. Existe uma tendência a achar que as mulheres estão mais expostas ao risco, quando na verdade qualquer pessoa está sujeita a um choque elétrico da mesma maneira.

Sem dúvida, houve avanços na entrada de mulheres em diferentes campos educacionais, mas não necessariamente uma superação das desigualdades de gênero em sua dimensão mais estrutural.

Um dos núcleos mais críticos é a divisão sexual do trabalho, que além de afetar a segregação ocupacional, faz com que as tarefas reprodutivas, domésticas ou de cuidado, continuem recaindo sobre as mulheres. Isso também é uma barreira para os estudos, para o trabalho remunerado e para uma melhor situação socioeconômica.

Como é possível avançar na redução das disparidades de gênero do ponto de vista do planejamento educacional?

O ponto de partida é reconhecer a desigualdade. O próximo passo é assumir que precisamos transformar essa situação desigual e melhorar as condições de vida de todos aqueles que são afetados pela desigualdade de gênero: mulheres em sua diversidade, pessoas trans, pessoas com uma orientação sexual não heterossexual, que são afetadas em seu desenvolvimento humano em termos integrais no campo educacional.

O "como avançar" envolve dar o próximo passo, que implica reconhecer o papel de todos os atores educacionais, reconhecer os preconceitos dos professores, os preconceitos das próprias instituições e colocar as pessoas no centro independente de suas características, mas sem negar que existem certos fatores que geram desigualdade e exclusão.

As políticas de gênero vêm delineando diferentes tipos de estratégia. Mudanças regulatórias e legislativas são importantes, mas não são suficientes. Ações afirmativas também são muito necessárias, principalmente para permitir a participação e representação de grupos excluídos em áreas onde eles não estão presentes. A partir das políticas públicas, foi desenvolvida a estratégia da transversalização de gênero, que vai mais adiante e analisa o modo como todas as ações públicas afetam a desigualdade e podem influenciar a transformação. O currículo é uma área fundamental. Acima de tudo, é importante gerar pesquisas e estatísticas com um nível de desagregação que possa refletir a dimensão interseccional da desigualdade.

Até agora, quem vem quebrando as barreiras e estereótipos de gênero são as mulheres, não necessariamente os sistemas educacionais.

As mulheres que quebram estereótipos e barreiras, que seguem carreiras masculinizadas, geralmente assumem os custos dessa decisão pessoalmente. São ambientes muito hostis para as mulheres, onde há violência, assédio, abuso, subvalorização e pouco reconhecimento. Portanto, o trabalho agora é que sejam os próprios sistemas educacionais que quebrem essas barreiras e transformem essa desigualdade, que este deixe de ser um custo assumido pelas próprias mulheres.

 

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