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Artigo: Educação secundária universal de qualidade: o que é preciso para atingir esse objetivo?
Por Pablo Cevallos Estarellas, Diretor do IIPE UNESCO, Escritório para a América Latina
Crianças levantam a mão

© UNESCO/CAROLINA JEREZ

Educação secundária universal de qualidade: o que é preciso para atingir esse objetivo?

Por Pablo Cevallos Estarellas, Diretor do IIPE UNESCO, Escritório para a América Latina

 

No Fórum Econômico Mundial de 2015, a comunidade educacional global adotou uma nova meta ambiciosa de universalizar o acesso à educação secundária de qualidade a fim de permitir que todas as pessoas participem plenamente do mundo do século 21. Nesse mesmo ano, foi estabelecido na Declaração de Incheon que todas as pessoas deveriam receber "educação primária e secundária gratuita, equitativa, de qualidade e com financiamento público por 12 anos", dos quais ao menos 9 anos (educação primária e primeiro nível da educação secundária) deveriam ser obrigatórios, "obtendo, assim, resultados relevantes de aprendizagem" (artigo 6º). 

Para atingir esse objetivo, os países devem expandir seus sistemas de educação secundária, que foram originalmente criados para educar apenas uma pequena elite de jovens com aspirações universitárias, e incluir com sucesso aquelas pessoas que sofreram exclusão estrutural.

O desafio se estende a toda a América Latina, uma região que vem tentando universalizar a educação secundária desde o início do século. Atualmente, o ciclo secundário completo é obrigatório em 13 dos 19 países da região, enquanto em outros 5, apenas o primeiro nível da educação secundária é obrigatório. Esses esforços geraram um aumento substancial no número de matrículas na educação secundária, mas ainda existem obstáculos significativos, principalmente em relação às taxas de graduação e aos resultados de aprendizagem, que continuam baixos.

De acordo com o Relatório de Monitoramento Global da Educação (GEM) 2017/2018, Cuba é o único país da região onde a proporção de estudantes que conclui a educação secundária é superior a 90%. Em outros sete países, as taxas de conclusão estão abaixo de 80% (mesmo se tratando de um nível obrigatório). No segundo nível da educação secundária, apenas cinco países têm taxas de conclusão superiores a dois terços. Quanto aos resultados de aprendizagem, uma comparação entre os resultados do exame regional feito no final da educação primária (TERCE) e o exame internacional realizado no final do primeiro nível da educação secundária, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), mostra uma diminuição no desempenho de leitura, de acordo com o mesmo relatório GEM. Além disso, na prova de ciências do PISA, pelo menos 50% dos estudantes de todos os países participantes da região obtiveram notas baixas. 

 

Estudiantes de secundaria

©CHARLOTTE KESL/WORLD BANK PHOTO/LICENCIA: HTTPS://CREATIVECOMMONS.ORG/LICENSES/BY-NC-ND/2.0/LEGALCODE

 

Tanto as conquistas quanto os desafios dos países latino-americanos fazem de suas experiências de reforma um recurso valioso para outros países que buscam universalizar a educação secundária.

Uma primeira lição que é possível tirar da experiência na América Latina é que a universalização requer uma extensão do objetivo original da educação secundária. Em toda a região, os marcos legais foram modificados para estabelecer que a educação secundária não só visa preparar todos os estudantes para o acesso à educação superior, como costumava ser no passado, mas também para entrar no mercado de trabalho, para desenvolver as habilidades de cidadania e, em alguns casos, elevar sua moral e promover seu crescimento pessoal. Essa ampliação formal dos objetivos reconhece que a definição de um propósito único para a educação secundária - por exemplo, a preparação para iniciar os estudos superiores - é incompatível com a meta de universalizar uma educação secundária de qualidade para todos.

Uma segunda lição é que, se existe a pretensão de garantir esses objetivos gerais para todos, sua adoção formal deve ser acompanhada por uma mudança na estrutura da educação secundária. Apesar das mudanças legais explicadas acima, na maioria dos países da América Latina os sistemas de educação secundária continuam fragmentados em várias e independentes vias, cada uma com sua própria abordagem e plano de estudos. Normalmente, há uma via acadêmica, uma via técnica e uma vocacional, bem como “adaptações” específicas para povos indígenas, adultos ou populações do campo. Neste contexto diversificado, embora todos os programas visem preparar os estudantes para pelo menos um dos objetivos mencionados nas leis de educação, nenhum deles ambiciona preparar os alunos para todos os objetivos. 

Programas que supostamente preparam os alunos para a universidade geralmente ensinam conteúdos gerais e desenvolvem algumas habilidades de cidadania, mas raramente cobrem habilidades profissionais para o trabalho. Da mesma forma, a maioria dos programas não oferece aos estudantes o conhecimento necessário para ter reais possibilidades de acesso à universidade e obter um diploma universitário. Em vez disso, concentram-se em habilidades técnicas e/ou vocacionais específicas. O efeito dessa diversificação de programas é que os estudantes experimentam uma especialização prematura, não compartilham uma base comum de aprendizado e veem suas oportunidades posteriores limitadas pelo tipo específico de educação secundária frequentado.

Em sociedades marcadas por desigualdades extremas, como as da América Latina e de muitos outros países que estão trabalhando para universalizar a educação secundária, essa diversificação se torna ainda mais problemática, porque as oportunidades de acesso aos diferentes programas de educação não são distribuídas igualitariamente. Pelo contrário, a origem socioeconômica dos estudantes muitas vezes determina se eles terão acesso a um programa de educação secundária que facilitará seu acesso a empregos bem remunerados ou outro que os equipará com habilidades mais limitadas.

Tendo em vista o objetivo global de universalizar uma educação secundária de qualidade, a experiência recente na América Latina mostra que, apesar de mudanças legais ambiciosas, os sistemas de educação secundária poderiam continuar ancorados em dinâmicas de seleção precoce e discriminação, reproduzindo as mesmas desigualdades que pretendiam reduzir. O desafio que esta e outras regiões do mundo enfrentam hoje é, portanto, repensar a própria estrutura dos sistemas de educação secundária para que sejam capazes de cumprir objetivos e garantir resultados significativos para todos os estudantes.
 

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